O uso de heroína costuma ser intravenoso. A prática acima é comum para “diluir”.
Hoje a gente vai falar de um tema que muita gente desconhece por não ser um grande problema no Brasil, mas que afeta países como os europeus e os EUA de maneira avassaladora.
Hoje a gente vai falar de um tema que muita gente desconhece por não ser um grande problema no Brasil, mas que afeta países como os europeus e os EUA de maneira avassaladora.
Tudo começou em 1874, quando o médico inglês C. R. Wright obteve a diacetilmorfina através da morfina e realizou com ela testes em animais. Ele conseguiu perceber efeitos como prostração, medo, sono rápido, alterações do débito cardíaco e dos movimentos musculares. H. Dresser, alguns anos depois, começou a estudar a diacetilmorfina, percebendo que poderiam haver efeitos fisiológicos benéficos. Foi então que a marca Bayer iniciou a produção do composto em escala comercial, usando como marketing o nome (ê rôixe) que significa heróico, devido ao efeito “grande e poderoso” que a droga apresentava mesmo em pequenas doses. E as expectativas eram altas: diminuir os sintomas ocasionados por doenças como tuberculose e asma, já que com o uso havia uma melhora da tosse e também poderia ajudar no sono.
Mas já em 1902, já haviam alguns pesquisadores que apontavam o que vem a ser o principal problema da heroína: seu alto potencial aditivo. Eles perceberam que a deterioração mental e física do uso da heroína era incrivelmente rápida e em doses baixas, especialmente quando comparado com a morfina. Mas ainda assim, algumas vertentes continuavam sendo a favor do uso da droga, especialmente nos EUA. Trawick, em um artigo, advoga: “sinto que fazer acusações contra a heroína é quase como questionar a fidelidade de um bom amigo! Usei-a com bons resultados e obtive alguns ruins, mas tem sido quase uniformemente satisfatório.”
Talvez isso explique porque Nova York foi o primeiro lugar onde a dependência de heroína foi um grande problema. E a forma como as autoridades lidaram com esse problema foi catastrófica: em 1920, determinou-se a proibição da administração, venda e importação, aumentando significativamente o tráfico dessa droga e a venda de produtos adulterados (em que a quantidade de heroína chegava a próximo de 2%!).
Mas o problema não se limitou aos EUA. No Egito, por exemplo, a droga era usada inicialmente como pagamentos para os trabalhadores, expondo a droga para a população, ajudando na formação de guetos e na disseminação de doenças, como a malária, através do uso das seringas. Já na China, produtoras japonesas da droga escoavam o produto por lá, e ela logo se popularizou pelo baixo preço e uma alta potência. E aos poucos o mundo foi vendo a dependência de heroína, apesar da “caça antidrogas”, crescer ao redor do mundo.
Quando se fala de epidemiologia da heroína no Brasil, a gente se depara com dados muito escassos que apontam que o uso de heroína é incomum nas nossas terras. Dados de 2001 a 2015 mostram que a prevalência do uso gira em torno de 0,2%, especialmente em locais de alta imigração em cenários urbanos, além das famosas “cracolândias”, como a de São Paulo. O uso preferido é por inalação ou fumo, e isso pode falar um pouco sobre o motivo dessa droga não ser tão comum entre os brasileiros – “não gostamos de injetáveis”. A rota da cocaína advinda dos países andinos e latinos também parece dificultar o tráfico dessa droga por aqui.
Podemos classificar então os opioides como drogas depressoras do sistema nervoso central, com ações periféricas analgésicas, antitussígenas e antidiarreicas. A heroína então, obtida pela diacetilação da morfina, é classificada como um opioide semissintético. Por ser mais lipossolúvel que a morfina, atravessa mais rápido a barreira hematoencefálica e age nos receptores opioides: em especial o receptor mi, que quando estimulados cronicamente se relacionam ao desenvolvimento da dependência.
A heroína vai agir no corpo com analgesia e euforia imediatas, com miose e diminuição da frequência respiratória. Logo depois vem uma onda de irritação, náuseas, vômitos, diminuição do apetite e um prurido muito incômodo devido à liberação de histamina. Há então uma diminuição da acuidade sensorial, de julgamento, de concentração e da memória; e com um aumento da dose, diminuição da frequência cardíaca e respiratória, da pressão arterial, com choque e falência respiratória. Algo muito importante para prestar atenção, principalmente no PS, é que a tolerância da droga, ou seja, necessidade de doses cada vez mais altas para o mesmo efeito, diminui consideravelmente com a abstinência. Ou seja, o paciente era acostumado a usar uma dose 4x maior para conseguir o efeito, se for preso ou internado, da próxima vez que utilizar a droga corre sério risco de ter uma overdose.
A longo prazo, os usuários de heroína desenvolvem uma maior chance de uso de outras substâncias, especialmente o álcool, uma diminuição da massa óssea, efeitos deletérios no tecido cardíaco, que podem levar ao aumento do intervalo QT e morte súbita. Problemas odontológicos, devido a diminuição da salivação, menos acesso a serviços de saúde, má alimentação e diminuição da dor dentária, são comuns. Necrose no local da injeção, sepse e um risco elevado de transmissão de HIV, hepatite C, hepatite B são encontrados.
Para o tratamento, o uso de METADONA (um agonista parcial dos receptores mi opioides) é o mais frequente, com revisões sistemáticas apontando uma redução de 33% do uso de heroína. Esse uso seria realizado em centros supervisionados e é capaz de reduzir o craving e os sintomas de abstinência. A naltrexona e a naloxona também são opções possíveis, porém com menos estudos.
Uma novidade pro futuro por ser o uso de vacinas, anticorpos que se ligariam às moléculas da heroína para reduzir ou impedir sua entrada no sistema nervoso central. Mas a ideia esbarra no fato de a heroína não ser antigênica e suas moléculas serem muito pequenas e degradadas rapidamente. Felizmente, algumas vacinas já possuem resultados animadores em camundongos.
Texto por: Matheus Eugênio
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