A Desvalorização da Medicina: é real?
Se você, estudante, conversar com algum médico ou residente sobre o futuro da carreira, provavelmente vai escutar que caminhamos para uma fatalística desvalorização da profissão, que o mercado está saturado, que o número de médicos está aumentando descontroladamente, e outras queixas extremamente comuns. Mas será que nossa profissão está realmente fadada ao limbo do desprestígio? De que tipo de desvalorização tanto se queixam?
A Medicina ainda sustenta uma posição de status frente não apenas às “irmãs” da área da saúde (como Enfermagem, Nutrição, Psicologia…) como também às demais profissões; status esse que advém tanto da valorização financeira quanto da posição figurativa e literal no imaginário popular: o médico como um herói, que sanará a dor e angústia do doente e de sua família.
Tendo em vista essa suposta valorização financeira, onde mora a queixa então? Os cinco, dez, quinze mil tornam-se insatisfatórios quando a “faculdade de Medicina” deixa de ser vocação e passa a ser um investimento? Ou é realmente justo que o médico ganhe dez vezes mais que a maioria das outras profissões? É bem verdade que o caminho para tornar-se médico é árduo, quase um sacerdócio. A pressão de muitas vezes ser o elo entre a vida e a morte de alguém é pesado, e isso se traduz nas altas taxas de transtornos psicológicos nesta população. E não apenas durante a formação, mas dentro da realidade de quem exerce e lida com isso todos os dias. Existe preço capaz de mensurar este risco?
Entram também outros fatores, não apenas a questão salarial. Outras profissões estão tornando-se concorrentes nas áreas de procedimentos, como visto em clínicas de estética e procedimentos faciais feitos por dentistas; por quê pagar mais caro em um procedimento se posso realizá-lo mais barato com outros profissionais? Há a questão do aumento dos cursos privados de Medicina, dentro das novas quase 14 mil novas vagas do curso desde 2013; por que ganhar “pouco” se pago tão caro pela minha faculdade? Como deixar de aceitar qualquer emprego, por mais mal pago que seja, se tenho que pagar as dívidas com a faculdade? Aponta-se também o avanço do capitalismo, com destaque para a telemedicina, com seus prós e contras (como deixar de citar o caso do hospital em Fortaleza que tentou demitir todos os cardiologistas em troca da telemedicina?), a baixa remuneração por planos de saúde, etc. Por fim, ainda levanta-se a questão da própria mentalidade governamental de que o médico tem que realmente ser “super”: trabalhar em locais insalubres e sem condições, lidando com os afagos de uma sociedade exposta às diversas morbidades e aceitar tudo calado porque, em tese, é muito bem remunerado.
Enquanto isso, a própria faculdade e a profissão criam um ambiente competitivo entre os médicos e estudantes. A luta para ser o mais inteligente, o mais bem remunerado, o mais bem sucedido. Isso advém de reflexos do sistema de seleção, ainda bastante elitista e pouco diverso, que seleciona memorizadores, posteriormente alimentados nas disciplinas básicas e nas mais diversas provas durante sua formação, que na maioria dos centros parece ter parado no tempo, trazendo à tona seus ambientes pouco reflexivos e humanos. Tudo isso manifesta-se na formação de uma classe pouco reflexiva, pouco consciente de questões que vão além da individualidade e sucesso pessoal. A principal mudança, portanto, precisa ser estrutural.
Então, concluímos que a tal desvalorização médica é uma tendência evolutiva que passará por seus ônus e bônus, restando à classe médica parar de lamentos e unir-se, não tentando se sobressair ou se impôr, mas alicerçar mudanças significativas na sociedade que possam, a partir daí, confirmar seu valor.
Texto por: Matheus Eugênio de Sousa Lima – médico.
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